21 Agosto 2025
Incêndio no Douro Internacional: arderam ninhos, habitat e estruturas de conservação do abutre-preto

Incêndio no Parque Natural do Douro Internacional. Fotografia Mieza/Palombar.
Dois ninhos de abutre-preto da pequena colónia de reprodução do Douro Internacional, a mais frágil do país, arderam completamente, e outros seis foram afetados em diferentes graus. Os seis abutres-pretos que estavam na estação de aclimatação neste Parque Natural foram resgatados graças à mobilização rápida de pessoas e instituições, o que evitou uma tragédia ainda maior. Instituições lançam pedido de ajuda para reparar danos.
Fogo sem tréguas
Na passada sexta-feira, feriado de 15 de agosto, enquanto o Centro-Norte de Portugal ardia em múltiplos focos, um novo incêndio deflagrou por volta das 13:00 em Poiares, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, em pleno Parque Natural do Douro Internacional. As temperaturas próximas dos 40°C, que se mantinham há vários dias, favoreceram a rápida progressão das chamas, que, em poucas horas, evoluíram para um grande incêndio e se estenderam aos concelhos vizinhos de Mogadouro e Torre de Moncorvo. No total, arderam mais de 15 mil hectares, sendo ainda incerta a verdadeira dimensão dos danos provocados.
Com a proximidade do incêndio à colónia reprodutora de abutres-pretos (Aegypius monachus) do Douro Internacional, os alertas e a mobilização das equipas no terreno foram imediatos e evitaram uma tragédia ainda maior.
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Imagens do incêndio no Parque Natural do Douro Internacional. Fotografias ICNF/Palombar.
Na sexta-feira ao final do dia, o fogo estava ainda longe da estação de aclimatação do projeto LIFE Aegypius Return, construída sobre as arribas do Douro, na aldeia de Fornos. No entanto, os acessos às zonas remotas poderiam vir a ser cortados, o que impediria ações posteriores, em caso de necessidade. Assim, numa intervenção atempada, que seguiu o plano de contingência previsto no projeto, a equipa da Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural, articulada com os técnicos e Vigilantes da Natureza do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF/PNDI) e com a Vulture Conservation Foundation (VCF), a Faia Brava e o criador de gado e pastor que zela pela propriedade, assim como com os veterinários do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HV-UTAD), recolheram os seis abutres-pretos que se encontravam na jaula de aclimatação e transferiram-nos para as instalações do CIARA - Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal, em Felgar, onde permanecem em segurança.
O resgate deveu-se à ponderada e oportuna avaliação feita pelas equipas no terreno, e preveniu um enorme retrocesso na conservação do abutre-preto, pois na tarde do dia seguinte o fogo atingiu efetivamente as instalações da estação de aclimatação, que incluem a jaula, o campo de alimentação e as estruturas de apoio.

Resgate do último abutre-preto da jaula de aclimatação, pela equipa da Palombar. Fotografia de câmara de videovigilância.
Aferição de danos
A manhã de domingo revelaria os prejuízos causados na estação de aclimatação. Apesar de em toda a volta, e por uma vasta extensão, a vegetação estar cortada, precisamente como medida preventiva implementada pela Palombar no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return – ao abrigo do Plano de Gestão de Habitats e de Redução do Risco de Incêndio em Territórios de abutre-preto na Zona de Proteção Especial Douro Internacional e Vale do Águeda –, e ser muito rasteira, o fogo devastou todo o habitat. A jaula das aves teve alguns danos ligeiros, mas o contentor de apoio foi totalmente destruído. Este espaço funcionava como enfermaria e como centro digital de videovigilância das instalações. O campo de alimentação em frente à jaula de aclimatação foi também inteiramente queimado, o que impossibilita a sua função, no imediato.


Destruição do contentor de apoio ao programa de aclimatação de abutres-pretos. É visível a vasta extensão de área ardida no entorno. Fotografia Palombar.

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Vista do interior da jaula de aclimatação e do campo de alimentação adjacente, queimado. Fotografia Palombar.
A colónia de abutres-pretos do Douro Internacional contou este ano com oito casais reprodutores, cinco em Portugal e três do lado espanhol. Um total de cinco crias desenvolveram-se e estavam a ser monitorizadas pela Palombar, com o apoio do ICNF. Quatro crias tinham já saído do ninho, mas uma era ainda jovem e não voava. No entanto, atendendo à idade desta cria, esperava-se que abandonasse o ninho nos dias seguintes.
Cria de abutre-preto Acer é a primeira vítima mortal do incêncio. Cadáver foi detetado no dia 21 de agosto pela equipa da Palombar no território ardido. A necropsia já realizada revelou que tinha os pulmões e a traqueia negros devido a inalação de fumo, bem como fraturas internas. Fotografia Iván Gutiérrez/Palombar.
Quando o fogo e o fumo permitiram o acesso aos locais, foi possível verificar que o ninho da cria não voadora foi impactado por chamas muito próximas, e que a cria já não se encontrava nele.
Durante a verificação do impacto do incêndio na colónia de abutre-preto, confirmou-se que dois dos cinco ninhos que tiveram cria este ano arderam na totalidade, e outros dois parcialmente. Adicionalmente, quatro plataformas-ninho previamente colocadas para promover a nidificação foram afetadas em diferentes graus. Uma cria, com o nome Acer, marcada em junho, foi já encontrada morta. A necropsia realizada no HV-UTAD revelou que tinha os pulmões e a traqueia negros devido a inalação de fumo, bem como fraturas internas. O relatório final da necropsia será divulgado brevemente. Sendo a colónia de tão pequena dimensão, este é um enorme retrocesso na sua conservação e pode suceder que os adultos – mesmo que tenham sobrevivido – abandonem este território, revertendo vários anos de esforços para restaurar a colónia.

Ninho de abutre-preto. À esquerda: antes do incêndio, com a cria Acer visível. À direita: local do ninho, totalmente ardido. Fotografia Palombar.
Cria de abutre-preto não voadora ainda no ninho, durante o incêndio (observada à distância, com muito fumo na envolvente). Fotografia Palombar.
Terra queimada a perder de vista cobre agora as arribas do Douro e toda a zona rural e natural envolvente, na área do PNDI de Freixo de Espada à Cinta. A gravidade parece superar a do incêndio de 2017 – ano em que uma cria de abutre-preto morreu carbonizada –, com a destruição de centenas de hectares de habitat de reprodução e alimentação não só para o abutre-preto, mas também para outras espécies ameaçadas, como o britango (Neophron percnopterus) e a águia-perdigueira (Aquila fasciata). A recuperação deste ecossistema já está em curso, mas levará décadas.
A colónia de abutre-preto do Douro Internacional – que já era a mais frágil, a mais pequena e a mais isolada do país –, sofreu agora um severo revés, cujas consequências serão acompanhadas de perto pela Palombar, pela Faia Brava, pela VCF e pelas autoridades competentes.
Um pedido de ajuda para os próximos passos
A colónia do Douro Internacional, pela sua fragilidade e isolamento, tem um valor estratégico na conservação do abutre-preto em Portugal. Por esse motivo, o projeto LIFE Aegypius Return assegurou financiamento para o seu reforço através de um programa de soft release, que promove a fixação de casais e acelera a expansão da colónia, reforçando a conetividade e a sustentabilidade das populações.
Os incêndios dos últimos dias revertem os resultados destas ações, ao terem destruído extensas áreas de habitat de alimentação e reprodução, incluindo ninhos naturais, plataformas-ninho artificiais contruídas ao abrigo deste projeto LIFE, o campo de alimentação co-gerido pela Palombar e Faia Brava, e o contentor de apoio à aclimatação, que assegurava a logística e a videovigilância. Neste momento, as aves não podem regressar a estas infraestruturas, o que poderá condicionar os objetivos do programa de aclimatação de 2025.
É fundamental restaurar o habitat em torno da jaula, principalmente no campo de alimentação, bem como repor o contentor de apoio. O contentor, que assegura a vigilância das aves em aclimatação e da envolvente – permitindo monitorizar comportamentos de alimentação, socialização e interação com aves selvagens –, funcionava com energia solar. Arderam os painéis fotovoltaicos, a cablagem, o inversor de energia e outro equipamento eletrónico essencial, num investimento que, em 2023, ascendeu a mais de 15 000 euros.
Adicionalmente, em articulação com a União das Freguesia de Lagoaça e Fornos, e com o ICNF, serão promovidas ações de restabelecimentos dos habitats prioritários para a alimentação e tranquilidade do abutre-preto no PNDI, implicando custos extraordinários para os quais não existem, neste momento, mecanismos de financiamento imediato.
Por este motivo, os parceiros LIFE Aegypius Return apelam à solidariedade de todos e lançaram um projeto de crowdfunding para ajudar a restabelecer o programa de conservação do abutre-preto no PNDI. Os donativos podem ser feitos AQUI.

Área de nidificação do abutre-preto no Douro Internacional antes e depois do incêndio. Fotografia Palombar.
Do inferno, a união
O mês de agosto tem sido marcado por um autêntico inferno de chamas em Portugal, tendo obrigado o Governo a acionar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil e a solicitar ajuda internacional no combate aos fogos. Este ano já arderam mais de 200 mil hectares em território nacional – 32 mil apenas no último fim de semana.
As equipas LIFE Aegypius Return têm estado em alerta permanente com a aproximação de fogos às várias colónias de abutre-preto. Além do Douro Internacional, também as colónias da Herdade da Contenda e da Serra da Malcata têm estado sob ameaça, com grandes incêndios nas proximidades. Do lado espanhol, a Serra de São Pedro, na província de Cáceres, registou sérios prejuízos, com pelo menos 60 ninhos de abutre-preto ardidos (alguns ainda com crias no ninho), entre outras baixas significativas.
Em todas as situações, destaca-se a solidariedade entre a várias instituições envolvidas, desde as autoridades, bombeiros e organizações não governamentais até aos cidadãos individuais que, mesmo no meio de vidas e bens em risco, demonstram união e coordenação na proteção da natureza e do abutre-preto.
No Douro Internacional esta determinação foi particularmente visível na vigilância, alertas e atuação conjunta no terreno. Os parceiros LIFE Aegypius Return, e a Palombar em particular, agradecem o apoio e ação dos vigilantes e técnicos do ICNF e PNDI, do Parque Natural Arribes del Duero/Junta de Castilla y León, do HV-UTAD e CIARA, do pastor Nelson Cordeiro, bombeiros, Guarda Nacional Republicana, União das Freguesias de Lagoaça e Fornos, assim como as autarquias afetadas. Agora, com o apoio de todos, espera-se acelerar a necessária reversão dos danos e continuar a proteger o abutre-preto.
Sobre o projeto
O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo Programa LIFE da União Europeia. É implementado por um consórcio que integra a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação e MAVA - Fondation pour la Nature), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Faia Brava - Associação de Conservação da Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.